Quase quatro meses se passaram desde o último post. Tanta coisa aconteceu, tantos sentimentos misturados, que por muitas vezes pensei que não iria suportar e jogar tudo pro alto. Ensaiei escrever algumas vezes, mas não tinha coragem de falar que não estava feliz. Tinha vergonha de assumir que tinha feito uma escolha errada, que deveria ter permanecido em Madrid, por isso preferi digerir meus sentimentos antes de vir aqui e deixar vocês preocupados, já que voltar atrás não era uma opção.
"Mas, Emiliana, se foi tão ruim assim, por que voltar não era uma opção?". Quando eu e Duda decidimos tentar Portugal, nos comprometemos em "se não der certo, vamos fazer dar". Não dava pra ficar brincando de em qual país ficar. Eu não tinha mais coluna para carregar tantas malas para cima e para baixo, estava esgotada mentalmente e o dinheiro acaba se a gente não trabalha pra repor, certo? Mas, por mais que Portugal tenha aparentado ser uma escolha ruim, hoje (e como sempre) vejo que nada acontece por acaso.
Tudo fluiu como o esperado. Nossa família ofereceu um suporte, aceitamos, demos entrada na documentação necessária e, muito antes do esperado, consegui um emprego. Não tive tempo sequer de digerir que estava morando em Portugal, essa oportunidade caiu no meu colo como um presente de Deus. Juntamente com isso, Duda começou a estudar. Logo no primeiro dia já fez várias amizades. Na escola tinha um gato que ela podia acariciar e matar um pouco da saudade das nossas meninas, a professora de espanhol se afeiçoou por ela... Tudo indo de vento em popa. Estávamos felizes e empolgadas com toda essa novidade. Até o subir e descer o morro da casa dos meus primos em Santo Tirso virou uma aventura. Mas não demorou muito pra toda essa animação desabar.
De fato, as coisas aqui aconteceram mais rápido, mas não foi o que nós idealizamos enquanto ainda estávamos no Brasil. Não nos apaixonamos pela cidade como nos apaixonamos por Madrid, tínhamos medo de falar com os portugueses e sofrer xenofobia, e pra piorar, nos desentendemos com nossa família. Mas, enquanto eu, mesmo em meio às dificuldades, tentava olhar o copo mais cheio, a Duda não. Ela não soube (e nem tinha que saber) lidar com as dezenas de problemas que apareceram ao longo desses meses. Ela só sabia pensar ou em Madrid ou no Brasil, e sabia que eu não voltaria atrás pra nenhuma das opções.
Por dois meses ela tentou. Tentou se habituar, se sentir parte, levar em consideração todo esforço que foi feito pra realizar o sonho dela de morar fora, mas quanto mais o tempo passava, mais ela entendia que ela não tinha maturidade pra lidar com todas as emoções que uma mudança de país implica. Ela sentia falta do miojo ruim de carne, do leite com toddy, da coxinha da padaria que foi fritada no óleo de uma semana atrás, da namorada (que agora já virou ex), de reconhecer o caminho de casa, mas, principalmente, de viver os últimos anos da adolescência dela ao lado das pessoas que ela se sentia livre pra ser quem ela é. E ela tinha uma certeza, a de que ela tinha pra onde e como voltar. E, agarrada nessa certeza, ela criou coragem e me falou: mãe, eu quero voltar pro Brasil.
Confesso que no primeiro momento eu não aceitei muito bem. Chorei por dois dias inteiros num quarto escuro sem querer ver a luz do sol. Achei que ela estava sendo uma garota mimada que não sabia reconhecer todo o trabalho que tinha tido até ali, mas quando a aceitação e o entendimento vieram, tudo se clareou. Como eu, que sempre ensinei minha filha a ser livre, que sempre disse aos quatro cantos que os filhos são do mundo e não propriedade nossa, estava agindo de uma forma tão egoísta? Eu só conseguia pensar na minha dor em não tê-la mais ao meu lado do que como ela tava administrando o turbilhão de sentimentos que se passava dentro dela. Gritei, esbravejei e chorei muito, mas depois de conversar e ser acolhida por muitos amigos, pouco a pouco eu comecei a enxergar o tamanho da coragem que ela teve em dizer que não aguentava mais. Que nem o medo que ela tem de avião e a incerteza do que seria da vida dela dali pra frente a fizeram fraquejar, pois em ambas as situações eu não estaria mais ao seu lado para segurar em sua mão, como eu vinha fazendo há quase 18 anos.
Foram exatos 113 dias de aventura ao lado dela vivendo um sonho. Saímos de Brasília com a cara, o cagaço e a coragem; duas vidas em cinco malas e duas mochilas, e dois corações cheios de expectativas. Passamos por Paris, Amsterdã, Madrid, Portugal... Conhecemos lugares tão lindos e encantadores que por muitas vezes me sentia dentro de um filme ou de uma pintura famosa; visitamos amigos queridos e também conhecemos pessoas maravilhosas no percurso. Nossa conexão foi de 100 a 1000. Fizemos coisas que pareciam impossíveis e totalmente distantes para a nossa realidade no Brasil. Vivemos. E durou o tempo necessário que tinha que durar. Cumrpriu seu papel em nossas vidas e acabou.
Foi ela quem idealizou esse sonho? Sim. Mas se nem ela é mais a mesma pessoa que sonhou isso um dia, por que o sonho deveria ser? Essa experiência ensinou tanta coisa, sabe? Mostrou que somos muito mais forte do que sempre pensamos que somos; comprovou que minha maternidade foi bem estruturada e que eu consegui educar e colocar minha filha verdadeiramente no mundo; que mãe e filha podem ser amigas sem perder o respeito uma pela outra (sim, o respeito é mútuo, caro leitor); que por mais que eu tenha saído do Brasil para me testar e sair da minha zona de conforto (um dia falo sobre isso), a Duda foi um conforto emocional que me ajudou a superar muitos dias ruins por aqui; que é necessário muita coragem para deixar tudo pra trás e ir em busca do desconhecido, mas que é preciso o dobro dela pra reconhecer que aquilo não era pra você. Essa mudança proporcionou um crescimento que escola nenhuma ensina. E não me arrependo nenhum minuto de ter vindo, e nem de ter deixado ela voltar e menos ainda de ter ficado aqui sem ela, porque, pela primeira vez, estamos vivendo nossas escolhas por nós mesmas.
Dia 25 de julho de 2004 começou a maior jornada da minha vida. Eu ainda adolescente segurando aquele bebê no colo, sem saber o que seria da gente no futuro, só tinha um desejo: que eu fosse a melhor mãe que uma adolescente poderia ter. Eu não me preocupava com a infância, sabia que de uma forma ou de outra ela me obedeceria, mas que a adolescência me traria os maiores desafios dessa vida. Mal sabia eu que o maior de todos seria o da separação. Não porque não poderíamos mais nos ver, mas porque seguiríamos caminhos diferentes. E foi no dia 23 de maio de 2022, 63 dias antes do seu 18º aniversário que cada uma foi viver seu sonho.
Quem me acompanhou no Instagram nesse período sabe o quanto eu chorei, mas como sempre e bem clichê, depois da tempestade vem o sol, né? E o sol voltou brilhando ainda mais forte. Finalmente estou podendo focar em mim e no meu trabalho, já consigo reparar nas belezas dessa cidade e sinto vontade de desfrutá-las. Vou poder ver as ruas cobertas de folhas vermelhas secas de outono cobrindo a cidade e comer quantos bolinhos de bacalhau eu quiser sem ter que compra um BK pra ela depois. E ela já pode comer quantas coxinhas quiser, dar as aulas de dança que ela tanto sonhava em dar, andar pelas ruas do Plano Piloto quando não quiser pensar em nada ou só jogar conversa fora com os amigos. Sonhos são assim mesmo; individuais, particulares e únicos. O que é importante pra você pode não ser para o outro. Para ela, passar o aniversário de 18 anos com os amigos era mais importante do que ver as estações mudarem de cor na Europa.
Cada uma na sua fase da vida escolheu respeitar seu tempo e espaço. Começamos juntas escrevendo a mesma história com um sonho. Hoje, são duas histórias e dois sonhos. Mas, uma coisa que nunca vai deixar de existir é, a felicidade em ver a outra sendo feliz na liberdade de ser quem é.
Voe daí, filha, que eu to voando também pra te encontrar. Te amo!
Commentaires