Eu poderia resumir essa história com uma frase bem simples: porque eu tenho família aqui. Mas aí entra o questionamento, por que, então, Portugal não foi minha primeira opção? Hoje eu tenho a clareza de que é porque eu precisava passar por tudo o que passei, mas o motivo principal que esse país, na verdade, NUNCA esteve nos meus planos é que, se eu já estava saindo da minha zona de conforto, não fazia sentido eu migrar para outro continente e continuar falando o mesmo idioma. Com isso, eu bloqueei toda e qualquer possibilidade de fazer de Portugal minha nova morada.
Aos poucos fui percebendo que o buraco era muito mais embaixo. Que o que eu ouvia falar daqui também me incentivava a não cogitar essa hipótese. E não era um "não vai pra Portugal por isso ou por aquilo", era um "eu não gostei de Portugal por esses e esses motivos". Quais eram os motivos principais? Xenofobia e salário mínimo mais baixo da Europa. Essas informações já fizeram com que eu criasse uma barreira sem ao menos tentar viver a minha própria experiência.
Uma coisa que venho aprendendo ao longo desses anos, e principalmente com essa decisão de emigrar do meu país de origem, é que, não importa o que o outro tenha vivido, essa é a história dele. O que aconteceu com o outro diz respeito às expectativas do outro. Ele carrega uma bagagem que eu não carrego e vice e versa. "Ah, mas fulano sofreu preconceito!". Existem pessoas xenofóbicas? Existem. Mas existe também o simples fato das energias não se baterem. Não gostei daquela pessoa e não quero dar abertura para um possível relacionamento. E tá tudo bem! Você não tem que forçar uma situação a custo de tudo. Existem pessoas boas que estão só esperando a gente aparecer pra poder nos dar uma oportunidade e é nisso que precisamos focar.
É interessante olhar pra trás e observar alguns sinais que passaram despercebidos por causa dessa viseira que eu coloquei. Por várias vezes, desde que decidimos nos mudar, muitas pessoas perguntavam sobre Portugal e eu sempre dava a mesma resposta: porque eu amo espanhol e não quero sair do Brasil pra continuar falando português. Por conta disso e pelo que eu tinha internalizado sobre o que eu ouvi falar, eu sequer pesquisei algo sobre esse país. Eu prefiro não pensar no "e se", porque acredito, como eu disse no início do post, que eu precisava passar pelo que passei, mas, SE eu tivesse pesquisado, eu teria descoberto todos os benefícios que ele oferece para o imigrante brasileiro.
Eu já estava em Madrid há uma semana quando o Sandro (um primo postiço que a vida me presenteou) me ligou pra gente conversar. Ele e sua família, que já estão em Portugal desde janeiro de 2021, ficaram felizes em saber que agora estávamos apenas a 400km de distância, estavam ansiosos por uma visita nossa. Começamos a olhar passagens, datas, transportes, etc, e, paralelamente a isso, ele me perguntou como era o processo de legalização na Espanha e se já estávamos nos movimentando pra resolver isso. Disse que ainda estava no início, conhecendo a cidade, indo atrás dos locais para dar início aos processos, quando ele me perguntou: "pra você só serve se for Espanha ou você está aberta a outras possibilidades? Eu tenho contatos na Espanha, mas aqui você tem mais possibilidades de não ficar ilegal e eu consigo te ajudar de perto."
Eu já havia me apaixonado por Madrid, já tinha feito amigos, já sabia como funcionava a cidade, estava prestes a começar a mandar meu portfólio de trabalho para os salões que eu já tinha pesquisado e já tinha conseguido uma vaga num curso gratuito de espanhol para imigrantes. Pedi um tempo pra pensar e digerir tudo aquilo. Por mais óbvio que parecesse qual decisão eu deveria tomar, não foi nada fácil desfazer toda a expectativa alimentada por quase um ano de preparação. Conversei com alguns amigos, expus a situação e muita gente apoiou que eu fosse ver de qual é. E durante uma conversa com minha amiga Mônica, falando sobre essa e outras possibilidades que estavam aparecendo (um possível trabalho em Amsterdã e uma viagem para Barcelona) eu soltei a seguinte frase: eu fiz o que fiz pra me libertar, pra criar asas, não é agora que vou me prender. Desde então tudo mudou e passou a ser, por que não Portugal?
A sensação mais estranha de sair da sua casa, da sua zona de conforto e ir em busca do desconhecido é a do não pertencimento. De se sentir um peixe fora d'água, de achar que está sendo observada em tudo o que faz, de achar que os outros estão te julgando o tempo todo e ter pessoas próximas ao lado pra segurar na sua mão e falar "vamos juntos que eu te ajudo" faz toda a diferença. Era possível tentar sozinha em Madrid? Totalmente. Eu estava conseguindo, e foi uma experiência maravilhosa descobrir que eu sou capaz, mas eu me conheço e sei que preciso de gente pra ser gente. São as conexões que movem minha vida e se eu tinha a oportunidade de me pertencer novamente num espaço de tempo menor, não tinha porque não tentar.
Às vezes a gente só precisa se abrir um pouquinho para as coisas começarem a acontecer. Foi só eu mudar minha energia que de repente passaram a aparecer pessoas que amam esse lugar e toda aquela visão deturpada que eu tinha foi ficando pra trás. Passei a ver o copo mais cheio do que vazio e tudo começou a fluir. Aqui tem minha família pra ser um ponto de apoio em meio a toda essa turbulência, tem mais forró que na cidade que eu tava e tem a Yse que eu amo de paixão, tem praia, tem comida barata e tem regularização mais tranquila.
Provavelmente você já esteja querendo arrumar suas malas e vir pra Portugal depois de tudo isso que relatei, mas essa parte burocrática só está sendo mais leve pra mim justamente porque já tenho alguém que pode responder por mim. Meus primos não apenas estão sendo um ponto de apoio como também estão segurando na minha mão e me ajudando a percorrer todo o caminho necessário. Por causa deles eu consegui tirar o NIF (como o nosso CPF no Brasil). Esse é o documento principal para arrumar emprego, abrir conta em banco, alugar casa e dar entrada na minha manifestação de interesse pra poder ficar aqui sem me preocupar. Se eu escolhesse ficar na Espanha esse trâmite duraria no mínimo dois anos.
Estou entrando na terceira semana em Portugal e não sofri xenofobia nenhuma vez, muito pelo contrário, até agora todos foram super gentis comigo. Se vai acontecer ainda eu não sei, mas sei que isso será muito mais sobre o outro do que de mim. Seguirei sendo eu mesma e se aproximará quem tiver que aproximar. E tudo bem o salário ser baixo, o mais importante pra mim é começar. Se eu tiver que trabalhar fazer as sobrancelhas das mulheres da empresa no banheiro na hora do almoço, ou chegar em casa a noite e atender as amigas pra complementar a renda, eu farei, porque esse caminho eu já trilhei e conheço bem. Se eu fizer direitinho o mínimo que pode acontecer é eu ter que abrir o Ateliê novamente, mas dessa vez na Europa.
E que delícia saber que está aqui pertinho. Como você mesma disse atraímos aquilo que vibramos! Se precisar conta comigo! Bjos
Amiga, a vida é feita de ir! Vá em frente!! Em breve, vamos nos encontrar nas idas da vida. Amo e torço por você!!!
acompanhando tudo por aqui com muita alegria e orgulho de vc ❤
affeeee, que demais!!!! Ansiosa pelos próximos textos <3
Você está escrevendo a sua história, e o caminho tem dessas idas e vindas mesmo. Tenho certeza que de onde você estiver tirará muitos aprendizados e essa experiência como um todo vai moldar quem você vai vir a ser. Te desejo tudo de melhor. Sempre!