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Foto do escritorEmiliana Pádua

Um voo perdido e uma aventura vivida


Antes de contar a aventura que vivi no dia que completo mais uma volta ao sol eu preciso explicar uma coisa. Quem me conhece há mais tempo sabe o quanto eu amo o dia do meu aniversário. Tem gente que acha um pesar ficar mais velho, tem gente que pensa que é apenas mais um dia comercial para ganhar presentes e gastar dinheiro, mas eu não penso assim. Para mim, é um motivo mais do que especial para celebrar a vida. "Ah, mas estou ficando velho…", e você por acaso gostaria de morrer jovem? Eu mesma não gostaria. Ainda há muita vida pela frente para viver, muitas coisas neste mundo que ainda quero desfrutar, e se eu morresse agora, seria um desperdício de vida. Portanto, não faz mal eu carregar com esta celebração as minhas rugas, as dores no joelho e/ou nas costas ou os quilos a mais que insistem em ficar. Eu simplesmente adapto tudo isso ao que consigo fazer agora, e a vida segue.

Dito isso, já dá para ter uma noção do quão empolgada eu sou quando o dia 29/09 está se aproximando, certo? Primeiro, começo o mês com aquele espírito de gratidão. Começo a pensar nas possibilidades de comemoração, tento fingir que não existe ansiedade alguma e que este mês tudo vai fluir na santa paz de Jesus. Depois, a ansiedade começa, junto com ela uma depressão sem fim achando que ninguém me ama e que definitivamente não vale a pena comemorar. E por fim, na última semana, vem o êxtase, a alegria, a empolgação, a ansiedade de saber que dentro de poucos dias estarei completando mais um ciclo e iniciando outro, que vou dar check em vários itens da minha lista imaginária de metas (e às vezes em papel também), e que muitas pessoas que amo estarão com os pensamentos voltados para mim, alimentando este novo ciclo de energias positivas. Ou seja, tudo o que uma boa lufana precisa para se reabastecer: muito amor.

No ano passado vivi o meu primeiro aniversário longe da família e dos amigos, ou seja, longe dessa empolgação toda. Estava há sete meses longe de casa, já tinha feito alguns amigos, mas não estava eufórica. Meu sentimento era mais de produzir, trabalhar, construir, do que celebrar. Mas, como de costume, agradeci pelo ano que passou e que estava se iniciando. Não pedi folga no trabalho e depois à noite saí para dançar um pouco de forró (com direito a rodinha surpresa) e depois voltei para casa e fui muito feliz assim. Meu coração estava tranquilo com as escolhas que tinha feito, mas este ano não, este ano ele queria mais. Este ano, o meu círculo de amigos tinha aumentado, minha irmã estaria aqui comigo, e eu tinha muito mais coisas para celebrar. Precisava extravasar isso de alguma forma. Mas como expectativa e realidade são coisas diferentes, nem tudo saiu como eu sonhava.

Mal começou o mês, criei um grupo de aniversário com as pessoas que fizeram parte da minha jornada aqui em Portugal. Logo no primeiro dia, muitas já me disseram que não poderiam estar comigo. Primeira frustração. Mas como ainda faltavam muitos dias, esperei um pouco mais para obter mais respostas. Os dias foram passando e mais pessoas enviando mensagens que não poderiam ir. Cada "não" era uma lágrima (sim, eu chorei, sim, esta sou eu). Mas o "não" mais doloroso veio quando minha amiga Yse, minha best, a primeira que me abraçou, recebeu e acolheu, que está comigo para tudo desde o início, só de ter cogitado a possibilidade de não poder aparecer, eu desabei. Queria cancelar tudo e desistir de comemorar. Mas ela, com seu jeitinho especial de me fazer sorrir, me ajudou a pensar em outras possibilidades. Resolvi dividir as comemorações; domingo no forró com alguns amigos e comemorar na véspera, já que no dia 29 estava muito difícil para todos.

Tudo isso aconteceu uma semana antes, na sexta-feira, dia 22 de setembro. Eu estava no salão com minha irmã, cortando os cabelos e fazendo as unhas, quando disse à Lígia que tinha decidido mudar a data para o dia 28. No mesmo instante, ela me disse: "Então vamos para Madrid na sexta-feira comemorar o dia do seu aniversário lá." Não foi uma pergunta, foi uma afirmação. Ela sabia que eu amava Madrid, que eu tinha amigos lá para nos acolher e que as passagens eram acessíveis. Ela jogou a isca e eu peguei, fácil, fácil. Não pensei sequer duas vezes, já mandei mensagem para os meus amigos de lá e comecei a pesquisar passagens. Na empolgação, já enviei mensagem para a Thaila (minha amiga, irmã, confidente, parceira, anjo da guarda, uma preciosidade que Deus colocou no meu caminho) contando a ideia da minha irmã. Ela só falou: "VAI, eu te dou a passagem de presente de aniversário se você quiser." E morri.

E assim eu comecei a comemorar a semana do meu aniversário, porque depois de tanta notícia boa, um dia só não seria suficiente. Comecei já no sábado passeando pelo Porto com minha sis (diminutivo de sister, para quem não souber). Domingo foi o dia de comemorar com minha turma forrozeira e minha amiga Stefy, que iria viajar. E na quinta-feira, véspera da viagem, fiz a comemoração que tanto queria com os amigos: restaurante coreano e depois balada. Foi tudo mais do que perfeito. Comi a comida que adoro, estava rodeada de pessoas que amava e que me amavam também e no final ainda saímos para rebolar a raba nas ruas do Porto. Se acabasse aí eu já estaria feliz? Sim. Mas só se eu não tivesse criado a expectativa de no dia seguinte embarcar para Madrid e comemorar também com os amigos que lá fiz.

Chegou o tão esperado dia 29. O meu dia 29, o dia em que completo mais uma volta ao sol. Nesse ano também calhou de ser a última super lua do ano, ou seja, a energia do planeta estava literalmente nas alturas e a minha também. Acordei dando bom-dia para o sol, para as plantas, para os pássaros... estava me sentindo a própria Cinderela. Fiz uma dancinha matinal, abracei minha irmã, fiz outra dancinha, dei uns gritinhos de alegria pela casa, fiz mais uma dancinha e atendi chamada de vídeo de aniversário, fazendo outra dancinha enquanto terminava de arrumar minha mochila para finalmente sair de casa e ir para o aeroporto. Pode parecer exagero, mas fiquei ainda mais feliz do que consegui descrever aqui. Tão feliz que andava pelo aeroporto como um coelho saltitante; tão feliz que estava atendendo ligações de vídeo no WhatsApp na rua sem me preocupar com os gigabytes indo embora; tão, tão, tão feliz... que confundi o horário de partida do avião e perdi o voo, mesmo tendo chegado ao aeroporto 50 minutos antes. Sim, foi exatamente assim que aconteceu. Não perdi o voo por causa do trânsito ou por ter dormido demais, perdi o voo porque estava feliz demais. Tão feliz que me ceguei.

O voo saía às 13h30, e, por mais que eu tivesse confundido os horários (pensei que o voo sairia às 13h55), às 12h40 eu estava no aeroporto. Mas o pior de tudo não foi ter confundido esse horário em casa; foi estar em frente ao painel, olhar o horário certo e continuar com a ideia de que o voo sairia somente 25 minutos depois. Por causa dessa ideia fixa, minha irmã e eu fomos tomar café ao invés de ir para o embarque. Ainda saímos alguns minutos mais cedo, mas ao descer as escadas rolantes para procurar nosso portão, lá estava escrito: portas fechadas. Como assim, portas fechadas? Ainda tínhamos 35 minutos; era para estarmos no final da fila (pelo menos na minha cabeça). Não é possível. Corri para perguntar:

  • Moço, onde é o portão desse voo?

  • Ele acabou de sair.

  • Impossível, ele só sai daqui a 35 minutos.

  • Ele sai às 13h30, está decolando agora.

Olhei para o celular e continuei vendo 13h55 sem entender. Meu estômago doeu, meu sangue congelou, fiquei alguns segundos sem acreditar que tinha perdido o voo no dia do meu aniversário, o dia em que estava infinitamente feliz. Dia que eu planejava chegar em Madrid, rever meus amigos, celebrar com eles, beber una cerveza en el Lavapiés mientras escuchaba un reggaeton... Parei, respirei, perguntei onde poderia verificar se havia outro voo e corri. Ligia já estava pronta para voltar para casa, mas eu me recusava a dar um passo para trás e passar o dia que tanto esperei chorando na minha cama, e é aqui que a aventura começa.

Inconformada com a ideia de voltar para casa depois de tanta expectativa criada, comecei minha busca. Corremos para o guichê da companhia para ver se havia outro voo, nada. Somente um voo diário para o nosso destino. Remarcar o voo para o dia seguinte, fora de cogitação. Além de ser o triplo do valor que eu havia pago pelas duas passagens, essa opção me faria voltar para casa. Tinha a opção de irmos de ônibus de madrugada saindo do Porto, mas isso também me faria voltar para onde eu não queria, ou seja, sem chance. De repente, lembrei de Vigo. Vigo é na Espanha e é perto do Porto. Vamos de ônibus para lá e de lá pegamos um trem para Madrid, pensei. Abrimos o site para buscar as passagens, mas não carregava. A internet no aeroporto estava congestionada. Conseguimos fazer a busca, mas a compra não concluía. BlaBlaCar! Deixa eu ver se tem alguma carona para hoje. Nada. O desespero começou a bater, o medo de passar esse dia que tinha começado tão feliz, chorando na minha cama, aumentava. Até que minha irmã se lembrou da nossa "Google", nossa expert em resolver perrengues, a maior de todas: Amanda, vulgo sua filha. Pega o telefone, o mesmo que não tinha sinal para conseguir comprar o bilhete, por algum milagre, tinha para uma chamada de vídeo. Amanda atendeu. E mesmo com preguiça, cara de sono e sem saber muito o que estava acontecendo, porque afinal no Brasil ainda era de manhã, salvou o meu dia.

Em abril desse ano, ela esteve aqui na Europa e nos encontramos em Santiago de Compostela, cidade que ela sugeriu justamente por saber o quanto esse lugar é especial para mim e o quanto eu sonhava conhecer. O mesmo motivo a influenciou em sua busca. Até pesquisou passagens para Vigo, mas como são cidades vizinhas e meu amor por Santiago é 500.000 vezes maior do que por Vigo, alterou a busca e disse que de uma passagem para a outra eram apenas 3€ de diferença. Escolhemos Santiago, óbvio. De lá também saía trem para Madrid, então estava tudo certo, era o que a gente pensava. O que não estava certo era o valor. A pesquisa foi feita para duas pessoas, mas o valor foi passado individualmente e só percebemos isso depois de já termos comprado os bilhetes para Santiago. Definitivamente, os bilhetes de trem a 90€ cada estavam fora de cogitação. Mas, como eu disse no início dessa história, desistir não era uma opção.

Já dentro do ônibus, a caminho de Santiago, com o coração mais calmo, comecei a busca por passagens de ônibus. Minha sobrinha precisava começar a trabalhar e não podia mais continuar na missão conosco. Ficou meio irritada com o fato de não termos comprado a passagem da madrugada saindo do Porto, já que era para ir de ônibus, mas não tinha mais o que fazer. Mandou um link de uma passagem que havia encontrado e deu tchau. Nesse link, cada passagem custava 26€ e o ônibus saía às 5h45 da manhã, mais perfeito impossível. Valores acessíveis e, com a saída sendo nesse horário, não gastaríamos com hospedagem, afinal chegaríamos em Santiago às 20h e não fazia sentido algum chegar nessa cidade maravilhosa e não aproveitar. Compramos. E só então relaxei. E aí eu chorei.

Eu sei que essa introdução ficou um bocado longa, mas eu precisava relatar essa experiência com detalhes, tanto para você que está lendo hoje entender o que vou falar e o que isso me ensinou, quanto para a Emiliana que vai reler daqui a algum tempo. Teria sido muito mais cômodo aceitar o erro e voltar para casa. Eu ficaria irritada por algum tempo, me culparia e depois faria de tudo para esquecer tamanha burrice, mas a questão é que eu não queria apagar da minha memória um dia tão especial para mim. E o mais interessante é que essa história estava se repetindo, de uma forma diferente, mas já havia acontecido algo similar.

Em 2019 eu havia comprado de presente de 15 anos para minha filha ingressos para o show que ela tanto sonhava ver de perto, um grupo coreano chamado BTS que ela havia acompanhado desde o seu lançamento. Era um presente caro e eu não tinha condições de arcar com ele sozinha. Fiz vaquinha na família para comprar os ingressos, fiz mutirão de amigos para tentar comprar online, mas não consegui. O que eu fiz? Comprei de segunda mão. E adivinha? Eram falsos. Mas eu só descobri isso na hora de entrar no show. De um lado a moça dizendo que a gente não entraria com aqueles ingressos, que se quisesse eu teria que ir comprar outro na bilheteria, do outro minha filha perdendo a cor e chorando sentada no chão. Eu não pensei sequer duas vezes, peguei ela pelo braço e disse: "você não volta para casa hoje sem realizar seu sonho." E mesmo com o sentimento de pessoa mais burra do mundo, de ter sido passada para trás, eu levantei a cabeça, peguei meu cartão vencido, que tinha o valor exato dos dois ingressos de limite, e fui pra bilheteria. E passou. E me endividei um pouco mais, mas minha filha saiu daquele show realizada e eu mais ainda. É aquela coisa, o dinheiro eu sabia que tinha capacidade de recuperar, aquele sonho não. Na hora que eu decidi não voltar para casa, eu nem me lembrei dessa história, quem me lembrou foi minha irmã. E na hora que ela disse: "você está fazendo o mesmo que no show do BTS", parece que minha vontade de fazer dar certo triplicou. Era como se eu já soubesse o caminho, entende? E também, depois que a gente deixa a nossa terra natal em busca do desconhecido, nada mais é impossível. E a melhor parte de todas, minha irmã não me julgou em nenhum momento. Abraçou meu sonho comigo e topou viver essa aventura. Ela fez na empolgação e estava indo para onde a maré levasse, mas o sim dela fez toda a diferença nessa aventura, e meu coração será eternamente grato a isso.

Chegamos a Santiago. Foi mágico. Respirar o ar dessa cidade tão especial no meu dia 29 foi mais importante do que pensei que seria. Fomos recebidas com um pôr do sol em tons de laranja que lentamente, como se estivesse esperando a chegar à catedral para dar o último suspiro, ia se despedindo. Andei pelas ruas como se já me fossem íntimas. Apresentava à Lígia cada pedacinho da cidade que estive com a filha dela alguns meses atrás com um sorriso de orelha a orelha. E aquela Emiliana que tinha acordado feliz e sorrindo para as paredes, dançava e saltitava novamente, mas agora pelas ruas de pedra de Compostela.


Famintas e com quase 0% de bateria no celular, entramos no 100 Montaditos para recarregar as baterias, do corpo e do telefone. A intenção era ficar lá somente até termos carga suficiente e depois dar mais uma volta na cidade antes que tudo fechasse, mas o problema era que a cerveja era boa, barata e os petiscos também. Foi motivo suficiente para a gente querer repetir a dose e tempo suficiente para um grupo de holandeses entrar e sentar ao nosso lado, puxar conversa (foi ótimo para treinar meu inglês de Duolingo), pagar dose extra de cerveja para a aniversariante do dia, vulgo eu, cantar parabéns para mim, fazer amizade e ser pedida em casamento indiretamente. Ufa! Quase não respirei agora.

Nossa noite se estendeu um pouco mais em outro bar com o holandês que supostamente se apaixonou por mim, e às 3h nos despedimos e fomos para a rodoviária esperar o ônibus das 5h45. Foram as duas horas mais longas da nossa aventura. Por sorte, eu consegui tirar um cochilo na escada, mas minha irmã ficou ligada até abrirem a estação. Depois de um dia intenso, finalmente entramos no ônibus rumo a Madrid. Seriam mais 8 horas de viagem, mas nessa hora, ao menos, o coração já estava mais tranquilo. Foi uma viagem tranquila e com uma paisagem linda pelo caminho para apreciar. Vi o sol nascer entre as montanhas e passamos por cidades super aconchegantes que do avião seria incapaz de se ver. Desculpa a positividade, mas é que eu tenho o hábito de ver o copo sempre mais cheio mesmo e graças a isso eu consegui fazer de um desastre em um dos dias mais felizes da minha vida. E assim, entre trancos e barrancos, chegamos na capital espanhola, cidade que eu também amo e que tive a sorte de viver por um mês, tempo suficiente para fazer amizades que carrego no peito e que pude celebrar essa minha nova volta ao sol.

Quando lá no aeroporto tudo começou e estava trocando mensagens com minha amiga contando o que havia acontecido, eu dizia: “Não vou me desesperar porque sei que em algum momento isso vai fazer sentido e eu vou tirar algum aprendizado daqui”. E assim está sendo. Fazer essa "loucura" só comprova ainda mais que sonhos têm que ser vividos, que ter a coragem de sair da nossa zona de conforto proporciona experiências incríveis na nossa vida, que somos muito mais capazes de fazer algo do que de fato imaginamos ser, que ter pessoas ao nosso lado que, ao invés de nos punir por nossos erros, nos ajuda a fazer de outra forma, torna a vida mais leve e divertida. E que a vida acontece no caminho e não na chegada.

Portanto, o bom mesmo é viver um dia de cada vez, reparar no olhar, na respiração, sentir o tempo passar em câmera lenta e apreciar a gargalhada gostosa de quem você ama. Como disse minha amiga e escritora Mari, “viver não precisa ser tão rígido, a vida é macia. Nossas paixões merecem dedicação, querer muito já é motivo para fazer”. O meu querer já me levou a tantos lugares. Me fez casar, abrir um ateliê, realizar o sonho da minha filha, atravessar o oceano e começar uma vida do zero, dormir numa escada de rodoviária no dia do meu aniversário, dançar um reggaeton na capital da Espanha e muito mais. E o seu? Onde o seu querer já te levou? Ao final de cada sonho realizado nasce um novo querer. Eu já tenho uma nova lista para dar check, e você, já sabe onde quer que seu novo querer te leve? Se não sabe sugiro que comece a escrever, a vida é hoje.


Beijos!

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